Na composição de uma obra de ficção o autor escolhe aquilo que vai contar ao leitor de forma direta ou indireta através da utilização do recurso narrativo que seja mais adequado à sua proposição para a obra.
Mas, além disso, há a parte da história que fica de fora. Que não é, ou não precisa ser, mostrada ao leitor.
É uma importante escolha que o autor deve fazer. Qual será o recorte que será explorado para gerar o efeito desejado pelo autor.
A menos que estejamos falando de um romance de formação, que necessariamente relata a trajetória completa do herói ou personagem, as demais obras concentram sua força em um espaço reduzido de tempo – vide Ulysses de Joyce, por exemplo – que é capaz de compor toda a síntese grandiosa ou ordinária que comunicará a intenção do autor.
No entanto, mesmo que a obra final omita do leitor partes menos necessárias para a compreensão da mensagem, o autor deve conhecer a história completa.
A isso chamamos de antecedentes.
Os antecedentes são todos os acontecimentos que influenciaram a formação do personagem e que ajudam a dar uma firmeza de caráter que será chave para manutenção da coerência e verossimilhança. Muitas vezes estes antecedentes estão em gerações anteriores ou no contexto histórico temporal da narrativa. A geografia também é formadora da construção do personagem e do universo ficcional. Estes detalhes não precisam estar explícitos no texto final – até pra não tornar a leitura maçante –, mas é indispensável que esteja presente na mente do autor durante a criação.
Uma boa recomendação é escrever os antecedentes para que sirvam de base para as decisões e revisões do texto. Além de garantir coerência (coesão), o que não for aproveitado na obra pode servir de material para outros textos.
Este insight me surgiu a partir da leitura de “Carta ao Pai”, de Kafka. Este tipo de material pode ser utilizado para compreender a obra de Kafka a partir de uma carta íntima – não se sabe se ela foi redigida com o objetivo único de transmitir uma mensagem ao pai, ou se tinha intenções literárias – que revela detalhes da psicologia e do caráter do autor que ampliam o entendimento de suas obras.
No caso de Kafka, a biografia do autor para compreender a sua obra. Mas no caso de uma obra de ficção, a biografia do protagonista para fortalecer o seu caráter, nortear suas atitudes e emitir a sua voz.