Delatado pelo Coração
Um dia, em sala de aula, ouvi do escritor Charles Kiefer (vou falar muito nele aqui neste blog) um comentário a respeito do meu texto que mudou a minha forma de ler e, conseqüentemente, de escrever: “O mais importante não é quem matou, ou como matou e sim por que matou?”, dizia ele a cerca de um conto onde eu pretendia tornar a morte do personagem o ponto alto da narrativa. “Isso é uma armadilha em que todos os novos autores caem”, completou ele.
O que ele queria dizer é que o texto bom não é aquele que tem o compromisso de causar uma surpresa no leitor e sim aquele que se constrói a partir da psicologia dos personagens e de como eles encaram determinados fatos relatados no texto. Toda a ação transcorre dentro da verdade do texto (a famosa verossimilhança) e quando entramos na mente, no coração e na alma do personagem somos capazes de entender porque matou, porque traiu, porque fugiu, porque sofreu e assim por diante.
Claro que alguns autores gostam de mostrar até onde vai a sua capacidade de criar tramas complexas que apontam para várias direções antes de decidirem-se pela menos provável. Seria uma relação de manipulação desonesta se não houvesse leitores dispostos a entrar nesta disputa de quem é o mais esperto e eles, os leitores, até pagam por isso.
Talvez o melhor assassinato da literatura seja o narrado em “Coração Delator” de Edgar Allan Poe. No primeiro parágrafo já sabemos que o protagonista vai matar o seu vizinho de quarto por uma razão que pode parecer banal. De fato, se analisado fora do contexto — extraída da brilhante narrativa — diríamos que ninguém mataria uma pessoa que lhe é tão amável apenas por ter um defeito físico — no caso um olho descolorido, possivelmente devido a uma catarata ou algo parecido. Mas ouvindo a vós narrativa — neste caso em 1ª pessoa, o que é sempre mais convincente — não há como não entender os motivos do assassino e, para quem chega ao fim do texto ainda sem convencer-se, a última cena acaba por justifica-lo. Embora ele tenha se esforçado para provar o contrário durante toda a narrativa, o mote foi a demência.
abril 23, 2008 às 11:02 pm
Allan Poe, na minha humilde opinião, é o maior contista dos gêneros fantástico/mistério. Concordo plenamente com a opinião do Kiefer sobre assassinatos na literatura. O próprio Poe tem outros bem interessantes como “O gato preto”, “O barril de Amontillado”…
abril 26, 2008 às 1:25 am
Sartana, meu velho!
O Poe têm muita coisa boa. Mesmo que às vezes o texto dele dê a sensação de que podia ser mais enxuto (não estes dos quais estamos falando, mas alguns outros como A Carta Roubada) a ação está sempre muito bem costurada e todos os eventos nos conduzem para o fim da trama. A esta técnica ele próprio chamou de algo como a “teoria do feixe”. Ele não desvia a atenção do leitor para outros fatos tentando ludibriá-lo. É um autor honesto.
Valeu!
Leo