Os bons, ou maus e os mediocres

Imagine que um autor está empenhado em revelar o estado de miséria em que o seu personagem se encontra. Imagine que esta informação é relevante para o contexto narrativo e justificará os atos que o pobre personagem venha a realizar ao longo da história.

Um mau escritor simplesmente diria que fulano é muito pobre, passava inúmeras dificuldades, estava com os bolsos vazios, não tinha onde morar nem o que comer. Provavelmente narraria todas as mazelas valendo-se de clichês e lugares comum, tais como dormir na rua e alimentar-se de sobras de um fino restaurante.

Um autor mediocre escaparia dos clichês e descreveria o estado de miséria de uma maneira mais elaborada. Porém, mesmo que utilizasse um repertório original de metáforas, ainda assim ficaria preso às descrições claras para ter certeza de que conseguiu ser enfático sobre o momento difícil pelo que passa o personagem. Os autores mediocres geralmente são inseguros em relação à capacidade de seus leitores e acham necessário “mastigar” por eles.

Quando estamos diante de alguém da estirpe de George Orwell, o padrão é outro. No livro “Na pior em Paris e Londres”, o autor narra um período de extrema dificuldade financeira que ele viveu no final da década de 2o. Em uma passagem nos capítulos iniciais, Orwell nos deixa saber que em um momento de apuro penhorou todas as suas roupas, exceto seu sobretudo favorito, pois embora ele valesse uns 1000 francos, sabia que não pagariam mais do que 250. Ele já havia nos informado que as lojas de penhores costumavam pagar cerca de 1/4 do valor do bem. Dias depois, ele decide retornar a loja com seu sobretudo e revela estar disposto a aceitar até 200 francos. Enquanto aguarda a sua vez ele nos conta as ofertas feitas aos outros clientes sem emitir juízo de valor. Ao chegar a sua vez o funcionário anuncia: 70 francos. Ele aceita e vai embora.

É importante que se observe que no decorrer da narrativa ele não descreveu que foi uma decisão difícil e que ele aceitou apenas porque estava muito necessitado. Sequer dramatizou a situação humilhante que poderia ter sido explorada por outro autor para render linhas ou, simplesmente, para fazer-se claro. Quando percebemos que ele decide aceitar 1/3 da oferta mínima que acharia justa, entendemos que a situação era desesperadora. Acrescente aí que ele estava escolhendo o frio e a vaidade, à fome.

Essa é a diferença. Assim se reconhecem os bons.