O jovem Emil Sinclair, protagonista de Demian de Hermann Hesse, vivia protegido pelo mundo limitado às paredes de sua casa e ao cuidado de sua amável família. Neste “mundo luminoso” só havia virtude. Alegria, orgulho, autoestima, segurança, admiração, respeito, amor e fé, era tudo o que o menino experienciava. Porém, ele sabia que um outro mundo existia. Começou a perceber isso nas conversas dos empregados. As histórias que escutava, revelavam que infortúnios e desvios de conduta aconteciam aqui e ali. Porém, não no “seu mundo”. Ali estava seguro e assim seria.
Porém, havia a escola. Embora a grande maioria fosse de garotos como ele, um ou outro colega tinha um comportamento “fora da lei”. E esses eram, de certa forma, admirados. Pois foi tentando impressionar um destes desajustados que Sinclair colocou o primeiro pé fora da sua zona segura. E essa experiência mudaria a sua vida pra sempre:
Para chamar a atenção de um tal Franz Kromer, cara durão, temido e admirado, Sinclair inventou uma história onde roubara maçãs de um pomar “perto do moinho”. Satisfeito por ter despertado o interesse de seu colega delinquente, Sinclair incluiu detalhes que tornaram o feito ainda mais ousado e espetacular. Desafiado sobre a veracidade do que narrara, Sinclair foi levado a jurar que havia de fato cometido o roubo. Um pequeno delito, porém para ele um crime grave. Então, por essa “confissão”, o ainda ingênuo garoto passou a ser chantageado por Kromer, que o ameaçava com a delação. Então, para atender aos desejos do chantagista, teve de mentir para a própria família. Passou a ser atormentado pelo medo e pela culpa.
É aí que entra em cena, Demian. Um novo e misterioso colega, mais velho e com opiniões excitantes sobre o mundo. Questionava os dogmas e as verdades absolutas. Foi ele quem interviu e libertou Sinclair do chantagista. Demian, exercia um fascínio sobre Sinclair e abalava suas convicções.
Mas este outro mundo, paralelo ao mundo luminoso, era também atraente.
Já na sua mocidade, cursando a universidade, e mesmo afastado de Demian, Sinclair entrega-se ao mundano que privilegia o profano, o prazer. Totalmente desviado de suas virtudes, o jovem leva uma vida de excessos e sem a mais remota referência aos valores que recebera nos anos de formação no seio familiar.
E com a entrada de um novo personagem, o organista Pistórios, Sinclair conhece a figura mitológica de Abraxas, aquele que é deus e diabo, que une o mundo luminoso ao obscuro, numa dualidade ambígua e complementar com a qual ele se identifica.
Volta a encontrar Demian e faz novas descobertas. A figura da Mãe de Demian é conflituosa para Emil Sinclair. Ao mesmo tempo, maternal e sensual.
Demian é um romance de formação e a trajetória de Emil Sinclair alude à clássica jornada do herói. Aquele que recebe um chamado, abandona sua zona de conforto e, a partir de então, goza dos prazeres e enfrenta as provações que uma caminhada pelo desconhecido impõe.
Um novo homem nasce.
“Quem quiser nascer, tem de destruir o mundo”.